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História
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- Preâmbulo
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Atualmente assiste-se ao envelhecimento progressivo da população, sendo que o grupo etário com mais de 65 anos corresponde a 21.3% da população portuguesa. Mais de 50% de todas neoplasias ocorrem após os 65 anos e, cerca de 27%, após os 75 anos. Nas próximas duas décadas, com o aumento da esperança de vida, o peso da doença oncológica nos idosos vai naturalmente aumentar, constituindo uma preocupação de saúde pública.A população de doentes idosos incluída nos ensaios clínicos é uma minoria não representativa desta população frágil, contribuindo para o desconhecimento da tolerância e benefício do tratamento antineoplásico. A decisão terapêutica não deve ser baseada exclusivamente na idade cronológica, mas sim no estado fisiológico, situação funcional e cognitiva dos doentes e no risco/benefício esperado com os tratamentos. Como os ensaios clínicos incluem principalmente doentes mais jovens, esses resultados podem não ser aplicáveis às pessoas idosas sem uma avaliação de risco adicional. Esta população frequentemente padece de um declínio funcional dos órgãos (rim, fígado ou medula óssea), assim como de uma ou mais comorbilidades, que no seu conjunto podem alterar a tolerabilidade ao tratamento antineoplásico e o possível benefício. Adicionalmente, é frequente a presença de síndromes geriátricas como a desnutrição, o compromisso funcional ou o compromisso cognitivo, que podem resultar em dificuldades no cumprimento do tratamento antineoplásico ou mesmo comprometer o benefício esperado, aumentar a toxicidade e risco, tornando o tratamento antineoplásico supérfluo ou prejudicial. Para a gestão das diversas comorbilidades, o idoso necessita de um manancial de fármacos, surgindo deste modo o conceito da polifarmácia; este número aumenta quando a terapêutica antineoplásica é iniciada, para além do acréscimo terapêutica de suporte. Esta constelação de drogas constitui um elevado risco para efeitos adversos devido a possibilidade de interações medicamentosas. Nesta sequência. não se pode dissociar a influência da alteração biológica da farmacocinética e da farmacodinâmica nesta população. Apesar do estado de fragilidade de um doente idoso poder limitar o benefício do tratamento antineoplásico, nalguns casos a fragilidade pode ser revertida através de intervenções individualizadas a partir da avaliação geriátrica global, tornando o doente candidato ao tratamento antineoplásico.A nível internacional existe uma crescente preocupação com a necessidade de se definirem estratégias específicas para a abordagem do cancro nos doentes idosos. A Sociedade Internacional de Oncologia Geriátrica (SIOG) foi fundada no ano 2000 e o Journal of Geriatric Oncology em 2010. Em 2010, a SIOG definiu as 10 iniciativas mais importantes em oncologia geriátrica. Além da educação e da prática clínica, quatro dessas iniciativas estão relacionadas com a investigação. A avaliação geriátrica, como instrumento preditivo de fragilidade, está recomendada desde 2005 pela SIOG, e está implementada em diversos países europeus, onde existem Unidades de Oncologia Geriátrica.
- Impacto da avaliação geriátrica nos outcomes oncológicos
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No congresso americano organizado pela American Society of Clinical Oncology em 2020, decorreu uma sessão inteiramente dedicada à Oncologia Geriátrica com a apresentação de quatro ensaios clínicos randomizados de fase 3 sobre o papel impactante que a Avaliação Geriátrica Global (AGG) pode ter na tomada de decisões e nos resultados das intervenções antineoplásicas.
- O ensaio INTEGERATE1, que incluiu tratamento oncogeriátrico integrado, demonstrou o aumento na qualidade de vida (seu outcome primário) e uma redução nas hospitalizações não planeadas.
- O estudo GAIN2 explorou o efeito da intervenção orientada por uma avaliação geriátrica (efetuada por uma equipa multidisciplinar) na toxicidade relacionada ao tratamento em pacientes ≥ 65 anos com tumores sólidos (qualquer estadio) iniciando uma nova linha de quimioterapia. Os pacientes no braço de intervenção foram sujeitos a uma AGG, tendo sido implementadas intervenções personalizadas, em contraste com o braço de tratamento standard. Constatou-se uma redução de 10% na toxicidade relacionada com a quimioterapia e um aumento das diretivas avançadas de vida no braço de intervenção.
- O ensaio clínico GAP-703, randomizou 718 doentes com ≥70 anos (vulneráveis, com doença avançada, e com pelo menos um domínio afetado na AGG) por 2 braços: braço de intervenção (recebia sugestões de intervenção) vs. braço controlo. O outcome primário era reduzir a toxicidades graus 3-5 nos primeiros 3 meses. Os resultados mostraram a redução de dose logo no primeiro ciclo em 49% dos doentes do braço de intervenção vs. 35% no braço controlo, e que as toxicidades graus 3-5 reduziram de 71% para 50% no braço da intervenção. Não houve diferença na sobrevivência global.
- Qian e colaboradores4 efetuaram uma intervenção geriátrica perioperatória para idoso sujeitos a cirurgia que resultou em diminuição da permanência na unidade de terapia intensiva pós-operatória e nos níveis de depressão.
- Soo WK, King M, Pope A, et al. Integrated geriatric assessment and treatment (INTEGERATE) in older people with cancer planned for systemic anticancer therapy. J Clin Oncol. 2020;38(15_suppl):12011
- Li D, Sun C-L, Kim H. Geriatric assessment-driven intervention (GAIN) on chemotherapy toxicity in older adults with cancer: A randomized controlled trial. J Clin Oncol. 2020;38(15_suppl):12010
- Mohile SG, Mohamed MR, Culakova E, et al. A geriatric assessment (GA) intervention to reduce treatment toxicity in older patients with advanced cancer: A University of Rochester Cancer Center NCI community oncology research program cluster randomized clinical trial (CRCT). J Clin Oncol. 2020;38(15_suppl):12009
- Qian CL, Knight HP, Ferrone CR, et al. Randomized trial of a perioperative geriatric intervention for older adults with cancer. J Clin Oncol. 2020;38(15_suppl):12012
- O nosso país tem que ser para idosos com cancro
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Em Portugal não existe uma estratégia nacional para o tratamento dos nossos idosos com cancro, e as decisões são baseadas principalmente na idade cronológica e em avaliações insuficientes dos níveis funcionais, como a classificação do estado funcional segundo a ECOG (Eastern Cooperative Oncology Group) por exemplo. Além disso, como atualmente não conseguimos prever com precisão a relação eficácia/segurança da terapêutica antineoplásica nos idosos, pensa-se que alguns não serão candidatos a receber tratamento, enquanto outros serão elegíveis apesar da potencial falta de qualquer benefício. A não incorporação do médico geriatra nas equipas clínicas multidisciplinares de Oncologia no nosso país, contrariamente ao que já acontece noutros países ocidentais, pode limitar o sucesso do tratamento antineoplásico. É desejável que as equipas multidisciplinares passem a integrar médicos geriatras e outros profissionais de saúde habitualmente necessários para a gestão integral do doente idoso, por forma a melhorar a avaliação do risco/benefício com base na avaliação geriátrica global e, em casos selecionados, permitir a reversão da fragilidade e melhoria do estado geral do doente idoso, tornando o doente apto para os tratamentos antineoplásicos com potencial melhoria do prognóstico. É de elevada importância a criação de uma estratégia nacional em conformidade com os vários princípios enunciados.
No estudo conduzido por Enrique Soto (Soto-Perez-de-Celis et al. Clin Transl Oncol 2018) foi realizada uma reflexão sobre a prática clínica oncológica direcionada para os idosos pertencentes a países ibero-americanos. Nesse estudo confrontaram a incidência de cancro na Península Ibérica com os padrões de envelhecimento, bem como com a experiência de treino e unidades clínicas oncogeriátricas existentes. Os dados obtidos da nossa realidade foram alarmantes; à data, 20,7% da nossa população tinha uma idade igual ou superior a 65 anos, e apresentámos uma das maiores taxas de incidência de cancro na faixa geriátrica (a par de Espanha). Quando comparados com os dados espanhóis, exibimos um maior rácio idosos/geriatras (31590/geriatra vs. 9039/geriatra), assim como foi documentada a ausência a nível nacional de unidades de saúde, programas pedagógicos ou ensaios clínicos orientados para a Oncologia Geriátrica.Perante estes dados, e respondendo à chamada de atenção global feita pela SIOG no sentido das sociedades científicas reunirem esforços para constituírem atividades clínicas, pedagógicas e de investigação na Oncologia Geriátrica, foi criado o Grupo de Trabalho em Oncologia Geriátrica da Sociedade Portuguesa de Oncologia (GTOG/SPO) em maio de 2020. O GTOG/SPO tem como principal objetivo desenvolver atividades científicas direcionadas para a comunidade médica nacional que lida com o idoso com cancro, baseando-se nos princípios fundamentais da Oncologia Geriátrica.